— Pesquisa

O urbano-constelação

Lutas pelo Direito à Cidade: Cidadania Metropolitana,
Movimentos  e Conflitos Urbanos na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (1995-2015)

RESUMO DA PROPOSTA

Na recente literatura produzida sobre a história e a teoria urbana ao redor do mundo desde a segunda metade do século XX, a década de 1990 representa um período de tempo decisivo. Daquele momento em diante, a ênfase dos estudos urbanos esteve colocada sobre os processos de globalização e seus efeitos sobre o território tanto em termos políticos e econômicos, como  em termos das relações recíprocas de interdependência entre países, blocos de países, regiões, áreas metropolitanas e cidades. Para o Brasil, a década de 1990 é o início de um período de intensiva transformação do território (em suas diferentes escalas – nacional, estadual, metropolitana, local e micro-local): a princípio, temos os efeitos do Plano Real na estabilização dos processos econômicos e sua repercussão nas políticas públicas voltadas à produção do espaço; de modo definitivo, a partir de 2003, políticas sociais de redistribuição de renda são visivelmente responsáveis por transformações espaciais em todas as regiões brasileiras. Como resultado desse ponto de inflexão, em certa medida, já temos hoje no país a compreensão de que a complexidade e a singularidade de nossas situações e configurações urbanas nos exige tanto uma construção teórica quanto uma prática crítica estritamente fundamentada na compreensão das especificidades, das limitações e significados dos nossos territórios. 

Esta pesquisa apresenta-se para ser realizada, principalmente, no campo da história urbana, de modo a  verificar, por meio da análise da literatura produzida no Brasil e/ou por pesquisadores (brasileiros e internacionais) cujo objeto principal de estudo seja o Brasil, de que modo as transformações espaciais no período (1990-2015) foram refletidas: a) na produção de literatura sobre a história e a teoria urbanas de e para nosso país; b) e na práxis espacial que dá conta das pautas de luta, movimentos e reivindicações pelo Direito à Cidade.  Busca-se, para isso, demonstrar duas teses. 

Em primeiro lugar, a tese de que a simples importação dos modelos de pensamento e práticas urbanísticos concebidos nos países ditos centrais não é mais cabível à reflexão e solução de nossas questões urbanas; para demonstrá-la será necessário compreender qual a repercussão dessas transformações nos trabalhos de planejamento, gestão e projeto urbano em nosso país, como o ensino de graduação e pós-graduação abordou essa transformação, e que debates estabelecemos no nosso país com a sociedade (esferas institucionais de participação popular, movimentos sociais, fóruns populares) e com  nossos pares (professores, setores técnicos de planejamento, esferas políticas e de governo, debates públicos via imprensa especializada ou não); como incorporamo-nos criticamente ao debate internacional e qual é nossa contribuição específica no debate internacional.

Em segundo lugar, a tese de que, dada a existência de correlação entre o urbano multiescalar da atualidade brasileira, os limites da ação política dos habitantes das cidades e o lastro espacial dessa mesma ação, é possível afirmar que, efetivamente, no âmbito da produção do espaço brasileiro que concerne aos movimentos sociais o que se transformou de modo crucial foram a ressonância, o alcance e as articulações das lutas urbanas travadas na cidade brasileira em diversas escalas, sejam regionais, nacionais e mesmo transnacionais. Para demonstrar tal tese, será necessário compreender como os setores da população brasileira constroem molduras comuns para justificar e motivar suas ações e sua participação na política urbana; como se articulam na construção de diagnósticos e prognósticos de problemas urbanos; como têm sido capazes de compreensão partilhada das causas dos problemas; como projetam a ação coletiva e pensam soluções para tais problemas identificados. 

Aqui me interessa refletir, a partir de Walter Benjamin, sobre um objeto específico – um conjunto de  acontecimentos na história das cidades a que denomino lutas urbanas pelo direito à cidade,  acontecimentos esses que compõem o que se pode chamar a constelação do urbano na filosofia benjaminiana. Quando se trata de escrever sobre a espessura histórica de uma cidade, ou de uma proposição urbanística, a constelação é   uma estratégia de pensamento de grande valia: permite pensar por extremos, desde os fragmentos, enfrentando a descontinuidade, ou o vazio,  como algo incontornável no esforço do conceito. Trata-se de pensar uma escrita urbana por meio da narrativa a contrapelo de sua história, isto é,  a narrativa das lutas urbanas segundo a constelação que  as configura, quais sejam, num extremo a sua espacialidade (seus territórios e escalas),  e, no outro extremo, os sujeitos que se empenham em lutar (sua linguagem, sua práxis comunicativa, sua organização em coletividades). 

A pesquisa analisará o caso específico de lutas pelo direito à cidade e cidadania metropolitana, movimentos urbanos e conflitos na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) no período proposto (1990-2015). A investigação se dará nas diferentes escalas espaciais  no interior da RMBH em que ocorrem as lutas insurreicionais, levantes, protestos e nas quais se organizam os movimentos sociais, a fim de conhecer, inventariar e analisar os espaços de participação e discussão sobre formas de ação e engajamento dos atores, a partir de diálogos acerca de cidadania, identidade, políticas públicas, política urbana, planejamento e gestão urbana, tendo como horizonte a ampliação da capacidade de ação política e reivindicatória desses sujeitos políticos urbanos.